Documentos revelam como grandes empresas, políticos e investidores usavam paraísos fiscais para desviar recursos e expõem a fragilidade do sistema financeiro mundial
Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
Como se não
bastasse a crise política e econômica que tem asfixiado o Brasil nos
últimos tempos, novas revelações de um escândalo global devem provocar
estragos também em território brasileiro. Na semana passada, o vazamento
de 11,5 milhões de documentos da consultoria panamenha Mossack Fonseca
trouxe à tona informações sobre 214 mil empresas que operam em paraísos
fiscais. Essas firmas, chamadas offshores, são normalmente utilizadas
para pagar menos impostos, conceder anonimato aos clientes e, em alguns
casos, promover atividades ilegais, como lavagem de dinheiro e
corrupção. O Brasil aparece com certo destaque na lista. Na sexta-feira
8, novos documentos mostraram que a Petrobras pagou comissões
milionárias em operações com petróleo a uma empresa sem sede própria,
funcionários ou site. As comissões, diz a denúncia, foram pagas por meio
de uma conta bancária na Suíça. Entre os brasileiros citados está o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, veterano de outros escândalos de
corrupção (acusado, em denúncias anteriores, de pagamento de propina e
ocultação de contas bancárias na Suíça). Desta vez, paira sobre ele a
suspeita de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. De acordo com os
documentos divulgados na semana passada pelo Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), Cunha mantém
ligações com pelo menos uma offshore, a Penbur Holdings, que ele
controlaria por meio de dois panamenhos. Manter valores no exterior não é
crime, desde que o dono do dinheiro informe a atividade à Receita
Federal e ao Banco Central. Nada disso teria sido feito pelo brasileiro,
que nega as denúncias.
CRIMES
Pesa sobre Cunha a suspeita de lavagem de dinheiro e evasão de divisas
O escritório brasileiro da Mossack Fonseca
está sob a mira da Polícia Federal desde o início do ano. As
investigações mostram que o endereço operou para seis grandes empresas
citadas na Lava Jato e sete partidos políticos. Além disso, dados
preliminares revelam que 57 pessoas investigadas na operação têm alguma
conexão com a offshore panamenha. Entre os políticos citados, além de
Cunha, estão o ex-deputado federal João Lyra e o ex-ministro de Minas e
Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). O impacto dos Panama Papers deve ser
tão grande que novas regras podem ser criadas pelas autoridades
internacionais. “É possível que o escândalo faça os países desenvolvidos
desenvolverem acordos para diminuir o número de firmas abertas no
Exterior”, diz Leonardo Pessoa, professor de direito empresarial e
tributário do Ibmec-RJ. “As offshores escancaram a corrupção
internacional.”
Ao contrário dos chamados paraísos fiscais,
o Brasil e a maioria das nações desenvolvidas garantem a
confidencialidade e não o anonimato aos investidores estrangeiros. A
confidencialidade pode ser quebrada por decisão judicial, mas o
anonimato dificulta – por vezes, impossibilita – a identificação do
cidadão que faz aportes financeiros. “É difícil saber se a offshore
pertence a determinada pessoa”, diz o professor do Ibmec. “O que se
conseguiu foram documentos e procurações sigilosas de clientes que
comprovam as movimentações e contratações do escritório.” A abertura de
offshores muitas vezes se dá de forma legal. “A Vale, por exemplo,
possui offshores lícitos no exterior para pagar clientes estrangeiros”,
diz Pessoa. O problema é quando as atividades são instrumentos de crimes
financeiros, como sonegação de impostos e ocultação de patrimônio.
O escândalo provocou danos em diversos
países. Segundo os documentos divulgados na semana passada, mais de 70
chefes e ex-chefes de estados tiveram seus nomes citados em operações
nebulosas. O nome do presidente da Rússia, Vladimir Putin, não aparece
ligado a uma offshore, mas sim o de seu melhor amigo, o empresário
Serguei Roldugin. Além disso, constam nos relatórios empresários russos
beneficiados com contratos públicos avaliados em US$ 2 bilhões. O líder
da China, Xi Jinping, que havia prometido combater a corrupção no País,
também teve o seu nome e de familiares relacionado nos documentos. O
país censurou as páginas de internet que fazem referência ao
envolvimento da cúpula chinesa no escândalo. Quase dois terços das
offshores expostas pelo Panamá Papers tem origem em Hong Kong e na
China.
O presidente argentino, Mauricio Macri, seu
pai e seu irmão mantiveram entre 1998 e 2009 uma empresa no paraíso
fiscal das Bahamas sem que a conta aparecesse nas declarações de 2007 e
2008, quando ele era prefeito de Buenos Aires. Agora, será alvo de
investigações. O pai do premiê britânico, David Cameron, também aparece
como dono de offshores, complicando a posição do líder europeu que
defendia o combate aos paraísos fiscais. Na Arábia Saudita, o rei Salmán
Bin Abdulaziz foi apontado como dono de uma offshore com sede nas Ilhas
Virgens.
Além de ter alcançado abrangência mundial e
colocado autoridades financeiras no rastro de políticos, o escândalo já
provoca abalos na economia do Panamá. O governo afirmou que apóia
veementemente as investigações. No ano passado, o país atualizou sua
legislação para regular setores financeiros. Como resultado, saiu da
chamada lista cinza de países com deficiências na prevenção da lavagem
de dinheiro e de financiamento ao terrorismo da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Essas condutas típicas
de paraísos fiscais mancham a imagem do nosso país”, afirmou à ISTOÉ
Olmedo Estrada, professor da Universidade Latina do Panamá e presidente
da ONG Colégio de Economistas do Panamá.
OS ENVOLVIDOS
Xi Jinping, presidente da China, e Putin, da Rússia
Fundada pelo panamenho Ramón Fonseca e pelo
alemão Jürgen Mossack, a Mossack Fonseca ajuda milionários a abrirem
offshores para escapar de impostos há 39 anos. Os sócios afirmaram que
não cometeram irregularidades. Eles alegam que apenas abrem as firmas e
não se responsabilizam pela atividade fim de seus clientes. O fato de o
vazamento ter sido batizado como “Panamá Papers”, explica Estrada,
reforça o estigma de o país dar sinal verde para crimes financeiros.
“Deveria chamar Mossack Fonseca Papers”, afirma o professor. “Qual nação
vai querer investir em um país associado à corrupção?” Há quem acredite
que documentos refletem um momento em que instituições de diversos
países batalham por mais transparência. “O Brasil, por exemplo, tem
assinado acordos bilaterais em troca de informação”, diz Hélcio Honda,
presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados de
São Paulo. O governo brasileiro aprovou em janeiro deste ano a lei
13.254 de regularização cambial e tributária, que permite às pessoas ou
empresas que não haviam declarado patrimônio regularizar e renegociar o
pagamento, desde que a origem do bem seja lícita. “Há um movimento rumo à
troca de informações”, diz Honda. “Estamos caminhando para a
transparência global.”
O exemplo da Islândia
Primeiro-ministro renuncia após ter seu nome citado no escândalo
A
divulgação dos documentos batizados de Panamá Papers teve efeitos
imediatos num pequeno país que sempre esteve na lista dos mais honestos
do mundo. Na terça-feira 5, o primeiro ministro islandês, Sigmundur
David Gunnlaugsson (na foto abaixo) renunciou ao cargo após ter seu nome
citado no escândalo. O vazamento de arquivos revelou que ele e sua
mulher eram proprietários de uma empresa offshore criada em 2007 nas
Ilhas Virgens britânicas. De acordo com os documentos publicados pelo
Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o primeiro
ministro possuía 50% da offshore até o final de 2009. Quando foi eleito
deputado pela primeira vez, em abril de 2009, ele omitiu a participação
em sua declaração de patrimônio. Na segunda-feira 4, milhares de
manifestantes (foto acima) haviam protestado em frente ao Parlamento da
cidade de Reykjavík para exigir a renúncia do então primeiro-ministro.
Pressionado, ele acatou a vontade popular. Se a moda pegasse no
Brasil...
Fotos: WILTON JUNIOR/ESTADãO CONTeúDO; Mark
Schiefelbein, Sergei Chirikov - AP, Stigtryggur Johannsson/REUTERS;
HALLDOR KOLBEINS/AFP
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