Presidente teme que afirmações do ministro da Fazenda sobre tomada de decisões prejudiquem ajuste fiscal
AE
Mercadante telefonou ao ministro da Fazenda ainda no sábado, após
tomar conhecimento da fala de Levy, feita numa palestra para ex-alunos e
professores da Universidade de Chicago. "Acho que há um desejo genuíno
da presidente de acertar as coisas, às vezes, não da maneira mais
fácil... Não da maneira mais efetiva, mas há um desejo genuíno", disse
ele, em inglês.
A avaliação no Planalto e no Congresso é que esse tipo de discurso
vindo do principal ministro da área econômica e responsável por sanear
as contas públicas do País dificulta as negociações em torno do ajuste
fiscal. É dado como certo que o tema deve interferir nas discussões em
audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, marcada
para amanhã, quando o ministro pretende detalhar seu plano de corte de
gastos e a política de retomada do crescimento.
Resistências
Em meio a sucessivas derrotas sofridas pelo governo no Congresso,
um dos principais objetivos do Planalto é que o Senado retire de pauta
projeto que obriga a presidente a regulamentar a troca dos indexadores
da dívida de Estados e municípios com a União, reduzindo o valor devido.
Isso depende de a audiência de Levy na CAE não ser contaminada pelas
suas recentes declarações.
"Ele (Levy) tem que tomar mais cuidado. É evidente que é ruim e dá
munição para quem quer. A presidente já está sendo muito atacada",
afirmou, reservadamente, um ministro próximo à presidente.
A avaliação de aliados é que, se o próprio ministro da Fazenda
questiona a eficiência da presidente, é difícil convencer os
congressistas a aderir a um pacote de medidas impopulares proposto por
ela. Para o Planalto e aliados, Levy, mais do que ninguém, precisa
defender o governo em um contexto em que o ajuste enfrenta resistência
da oposição e de partidos da base, entre eles o próprio PT.
Apesar do mal-estar causado pelas declarações, o Planalto
trabalhará para minimizar o episódio. Espera-se que Dilma se posicione
na primeira oportunidade em que for questionada por jornalistas, mas uma
reprimenda dura ao ministro fragilizaria ainda mais o governo nas
negociações.
Reações
No Congresso, a polêmica deve fermentar com a ajuda da oposição e
do próprio PT. "Do ponto de vista político, a fala do ministro é
temerária: ironiza a presidente em público. Isso corrói ainda mais a
credibilidade do governo a que pertence", afirmou o senador José Serra
(PSDB-SP), suplente da CAE.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), também integrante da CAE,
disse que perdeu o cargo de ministro da Educação no primeiro mandato de
Lula por ter criticado o governo de forma mais branda do que fez Levy.
Buarque ocupou o cargo entre 2003 e 2004 e foi demitido por telefone.
"Fui dizer coisas desse tipo sobre o Lula, sem nem citar o nome dele, e
acabei caindo. Lembro da frase que eu disse: não precisa do Fome Zero,
basta ampliar a Bolsa Família. Essas coisas é perigoso para um ministro
dizer."
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), "não é recomendado a um
subordinado esse grau de liberdade". "Espera-se dele um discurso mais
uníssono ao da presidente." O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira
(PMDB-CE), disse que "ele quis dizer que a presidente é bem intencionada
e, às vezes, as coisas não dão certo ou é difícil.
Levy não quis se pronunciar ontem. Na noite de sábado, ele divulgou nota dizendo que sua declaração foi mal interpretada.
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